quinta-feira, 21 de agosto de 2014

REPORTAGEM ESPECIAL EM HOMENAGEM AOS 193 ANOS DO ANIVERSÀRIO DE CRUZ ALTA

Temos o orgulho de apresentar o texto da colega Esp. Historiadora Juliana Abreu, sobre Erico e seus Primeiros escritos ainda aqui em Cruz Alta, onde somente foram escritos contos, mas todo seu imaginário de escritor se formou. Intitulado Cruz Alta, o berço de um escritor e publicado na Revista Diário Serrano sob Editoração da nossa querida Dani Viana, segue o texto em comemoração aos 193 anos da cidade de Cruz Alta, uma singela homenagem.
 
Cruz Alta, o berço de um escritor.
                                                                                                               Juliana Abreu

“Ninguém pode falar de ninguém sem contar uma história. Nenhuma figura humana pode ser estudada em termos literários num vácuo, pois ela pertence a um tempo e a um espaço, tem um passado, vive um presente. É também um contínuo devir, um processo transitivo e não um produto acabado.” (Erico Verissimo in ALEV - Acervo Literário Erico Verissimo, 03e07-74)".

 

Foi aqui na cidade do interior do RS, Cruz Alta, que um menino de dedos magros, constituição singela, transformou a robustez da mente em um passaporte para o sucesso. O caminho: contar sonhos, escrever e viver de literatura, o desejo que teve coragem de ir buscar.

Erico com certeza foi o romancista que despontou para o significado de viver de literatura no Brasil, e o fez.  Embora no início não tenha sido fácil conciliar carreira, família e o trabalho na Editora O Globo na capital gaúcha com seus projetos pessoais.

Ainda muito antes, na cidade de Cruz Alta, sua mente já o levara para este mundo: o talento inegável para narrar histórias, criar mundos ficcionais, observar “as gentes”, os lugares, a cidade, fez com que sua sensibilidade o tornasse um dos maiores romancistas de sua época, senão o maior romancista urbano do século XX. Sua imaginação lhe surpreendia a qualquer momento e seus dedos obedeciam, fato que ele mesmo narra na seguinte passagem:

“Foi na máquina de escrever Underwood desse armazém que alimentava os soldados do 6º Regimento de Artilharia Montada e do 8º de Infantaria, que fiz às escondidas a minha primeira literatura. Que livros ficaram ligados a essa época um tanto opaca de minha vida? Lembro-me principalmente de Os Sertões, de Euclides da Cunha, cujo estilo me fascinava com sua força máscula, a sua irregularidade, os seus imprevistos, os seus períodos de aço.” (VERISSIMO, Um certo Henrique Bertaso, 2011, p.19).

Foi ainda atrás do balcão da Pharmácia Central na Rua do Comércio em Cruz Alta, que escreve seus primeiros contos com intento de serem publicados, sem paciência e muito menos talento para a profissão de farmacêutico, desvia sua atenção totalmente para o mundo dos seus escritos, custando assim a falência do estabelecimento, para o bem da literatura.

Dividido entre seu talento e a botica, tem receio de expor seus escritos, fazendo-o com cautela aos mais chegados. É por insistência do jornalista e amigo Prado Junior que envia seu conto “Chico” para o periódico Cruz Alta em Revista, Ano I, nº 2 ano 1929, página 19, sendo este seu primeiro conto publicado oficialmente no interior. 

Conforme Erico Veríssimo narra em seu livro (Idem, 2011, p. 22) Manoelito de Ornellas ressuscita o esquecido conto “ladrão de Gado” que jazia no fundo de uma gaveta e o envia bem recomendado a recém fundada Revista do Globo de Mansueto Bernardi, que o publicará. Ainda por esta indicação Erico publica em outro número do mesmo periódico: “A tragédia de um Homem Gordo”.

Ao sentir-se mais confiante em relação à aceitação de seus escritos, resultado das publicações, encaminha diretamente ao periódico Correio do Povo (1929) outro conto seu intitulado “A Lâmpada Mágica”, que foi aceito por Souza Junior.

 Tempos mais tarde já amigo do chefe do suplemento Literário do referido jornal descobrira que ele ao receber o conto em suas mãos, não lera, apenas viu o nome do autor, achou sugestivo e mandou para impressão, sem ler. (Solo de Clarineta Volume I, 1997, p. 221).

Depois da persistente resistência da Pharmácia Central em sobreviver com toda sua má administração durante quatro anos, tendo sido inaugurada em 1927, o laboratório social que esta propiciou ao escritor foi comparado ao seu tempo elevado ao quadrado, dado a suas peculiaridades, em suas palavras:

“Eu vivia em três mundos, pelo menos. O primeiro era o da realidade cotidiana; a rotina fisiológica, o ritual burguês, os avisos de bancos (um bombachudo, para variar, me encostou um dia o cano do revólver no peito porque eu não lhe quis dar a crédito um vidro de xarope contra tosse). O outro era o mundo dos livros das personagens de ficção que me levaram para outros tempos e outras geografias. O terceiro mundo era o da minha própria fantasia: as estórias que eu escrevia e mandava quase semanalmente para o Correio do Povo, que as publicava em seu Suplemento Literário.” (VERÍSSIMO, Um certo Henrique Bertaso, 2011, p. 24).

 

Erico de vez em quando aventurava-se em viagem para a capital já que o financeiro não lhe propiciava ir a São Paulo ou Buenos Aires. Na capital nunca deixava de visitar a livraria do Globo, era destino certo, alimentava seus olhos quase tanto quanto seus ouvidos nessa que não era uma mera Casa de Livros,

“Subia até o ilustre território de Mansueto Bernardi, onde ficava folheando e namorando livros franceses que, muito caros, não eram para meu bico. Com o rabo dos olhos observava o ambiente, na esperança de que se encontrassem ali alguns dos escritores gaúchos de renome que eu costumava ler em livros ou nas páginas do Correio do Povo e do Diário de Notícias. O sujeito magro, sardento, anguloso, levemente encurvado, a pele transparente como de porcelana, cabelos de ruibarbo, ar de intelectual europeu, olhos azuis, nariz e lábios afilados- ah! Esse só podia ser Augusto Meyer, poeta ensaísta, por quem eu tinha uma ilimitada admiração...Agora quem entrava, muito bem vestido, bengala pendendo de um dos braços, bigode aparado, era um moço com ar de galã de opereta italiana- Ernani Fornari, o autor de Trem da Serra. (Mal sabia eu que dali a alguns anos ele iria se tornar um de meus melhores e mais leais amigos).” (Idem, 2011, p. 23).

 

E este era o universo dos sonhos para um aspirante a escritor como Erico almejava ser, mas como essas viagens eram apenas escapadas da cidade do interior, a rotina o aguardava, o imaginário o aguardava.

Erico chega a corresponder-se com Mansueto Bernardi na esperança de ser publicado, a essa altura já havia contos suficientes para publicar um volume reunindo-os. Seus contos são bons certamente, mas ainda não possui um nome conhecido, e para a época, para garantir o sucesso de vendagem era necessário ser conhecido do público, talvez mais tarde, não seria hora da editora correr o risco.

Mas nem mesmo a negativa de Bernardi o dissuadira de seu caminho, encarando sua realidade e suas ambições de frente, o moço, teve de lidar com a falência da farmácia, com a pressão do sogro, com o mundo real gritando em mais alto tom sobre o fantasioso. A decisão lhe pareceu sensata: ir para a capital, a fria e obscura Porto Alegre, que já não lhe tinha sido favorável anteriormente.

“O “velho” Volpe deu-me um crédito de confiança emprestando-me sua máquina de escrever portátil, já que eu pretendia continuar fazendo literatura, talvez um dia como profissão. (tenho uma lerda teimosia, herdada talvez dum avô tropeiro que costumava levar tropas de mulas de Cruz Alta a Encarnación, Paraguai).” (Idem, 2011, p. 25).

 

 Muda-se para Porto alegre em 1930, em busca de novas perspectivas de vida. Após mais de duas semanas na capital Erico é contratado pela Revista do Globo para o cargo de secretário, onde não demorou muito para ser nomeado Diretor da revista.

É bem verdade que o autor confessava que não tinha conhecimentos mínimos no início de como funcionava uma redação de um quinzenário e seu coração não se apaziguara muito com o passar do tempo. O dia da admissão foi retratado em diálogo entre Mansueto Bernardi e Erico Veríssimo:

“Olhou-me com seus olhos venezianos e, depois de algum  tempo, murmurou:

- Você escreve, traduz, desenha... Seria o homem ideal para tomar conta da Revista do Globo no futuro.

- Por que no futuro – repliquei-, se estou precisando dum emprego agora?

...

- Pois então está contratado. Pode começar no dia primeiro de janeiro. Entende de “cozinha” de revista?

- Claro- menti. Na realidade, nunca havia entrado numa tipografia. Não conhecia nem de vista uma linotipo. Não tinha idéia de como fazia um clichê ou se amarrava uma página. Mas o importante mesmo é que tinha conseguido um emprego!

Foi assim que entrei para a Família Globo.”  (Idem, 2011, p. 26-27).

 

Mas tal qual sua paixão pelas letras, pelas histórias e pelas pessoas, ele e Henrique Bertaso fizeram da incipiente Editora O Globo que estava nascendo, de um projeto adendo a Livraria do Globo, uma das mais importantes do país. E é Bertaso que vai publicar o primeiro Livro de Erico, Fantoches, por conta da editora, por acreditar no potencial do escritor. Mas esse já é assunto para outro momento.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto Juliana, sempre é bom ler mais alguma coisa sobre a vida de obra de Erico Verissimo, continue escrevendo, vou ter maior prazer em ler. abraço

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